“Professora, e as mulheres nessa história toda?” : sujeitos invisíveis e as relações de gênero nas aulas nos anos finais do Ensino Fundamental, reflexões a partir de uma narrativa literária

Abstract

O presente trabalho buscou mobilizar a categoria gênero para reconhecer e incluir as mulheres na história ensinada. A fim de analisar minha própria prática pedagógica e compreender se, e como, ela estaria reproduzindo ou reforçando padrões e estereótipos de gênero historicamente hegemônicos – mesmo a considerando norteada por inquietações e engajamentos enquanto sujeita feminina e feminista no mundo. Portanto, tenho como objetivos: analisar os impactos que a inserção das mulheres nas narrativas históricas e no ensino de história teria na noção de história para as alunas e alunos, reconhecendo os discursos e as práticas que nomearam ou silenciaram as mulheres nesses processos; examinar os impactos que o trabalho com narrativas literárias escritas por mulheres e sobre mulheres causa na visão de história das alunas e alunos; problematizar a invisibilidade das mulheres nas narrativas históricas tradicionais; observar como a literatura pode ser utilizada na aula de história para que alunas e alunos possam desenvolver a habilidade de voltar-se para o passado, compreender o “outro” em “outro tempo”, sem perder o presente de vista. Partindo da ideia de exercitar a sensibilização para sujeitas e sujeitos invisibilizadas/os nas narrativas históricas tradicionais a partir da leitura de textos literários, elaborei uma sequência didática que se inicia com a leitura do conto Julgada por seus pares, de Susan Glaspell. A referida sequência possui cinco aulas de dois períodos cada e foi aplicada em duas turmas de nono ano do Ensino Fundamental da Rede Pública de Canoas, no segundo semestre de 2019. Durante a realização dessa atividade foram observadas as relações que se estabeleceram durante a prática, bem como as falas de alunas e alunas utilizando como metodologia a etnografia escolar ancorada em uma perspectiva feminista. Posteriormente, foi realizada a análise do material escrito pelas alunas e alunos a fim de perceber como a compreensão da narrativa histórica se dá quando inserimos a noção de marcas de gênero e de autoria feminina. Este trabalho se insere em um contexto em que é preciso defender a liberdade de ensinar de professoras e professores diante de ações de cerceamento da atividade docente referente às discussões de gênero no país.

The present study sought to mobilize the gender category to embrace women in history teaching. In order to analyze my own pedagogical practice and understand if, and how, it would be reproducing or reinforcing historically hegemonic gender patterns and stereotypes – even while considering it guided by concerns and engagements as a feminine and feminist subject in the world. Thus my objectives are: to analyze possible impacts of the insertion of women in the historical narratives and in the teaching of history on the notion of history for the students, whilst aware of the speeches and practices that appointed or silenced women in these processes; to examine impacts of the work with literary narratives written by women and on women in the vision of the history of the students; to problematize the invisibility of women in traditional historical narratives; to observe how literature can be used in the history class so that students can develop the ability to turn to the past and understand the “other” in “another time”, without losing sight of the present. Starting with the idea of raising awareness for subjects invisible in traditional historical narratives through the reading of literary texts, I created a didactic sequence that begins with the story Jury of Her Peers, by Susan Glaspell. This sequence has five two-hours lessons and was taught in two classes of the ninth year of Middle School of the Public Educational System of Canoas, during the second semester of 2019. While these activities were performed, observations were made using methods of school ethnography based on a feminist perspective on how the ideas were connected, as well as on the speeches of students of all genders. Subsequently, an analysis of the material written by students was carried out in order to establish how the understanding of the historical narrative plays out when gender marks and female authorship are highlighted. This work happened in the context of a country where it is necessary to defend the freedom to teach and in which teachers are faced with restrictive policies related to gender discussions.