A PrEP como dispositivo pedagógico : educação direitos humanos e vulnerabilidades de adolescentes e jovens

Abstract

A pedagogia da prevenção é uma abordagem que valoriza a autonomia e os conhecimentos empíricos das pessoas, além dos aspectos culturais e políticos na gestão do cuidado para o HIV/Aids. A presente tese investigou: como o acesso à estratégia da profilaxia pré-exposição ao HIV (PrEP) funciona como dispositivo pedagógico para o acesso à saúde de adolescentes e jovens. O trabalho também buscou compreender como o acesso à PrEP pode, ou não, e em quais contextos, funcionar como dispositivo pedagógico que viabiliza a autonomia e os direitos humanos, especialmente o direito à saúde, para as juventudes. A epidemia de HIV/Aids foi compreendida como fenômeno social que atravessa o imaginário das juventudes, suscitando pensar como determinadas materialidades biomédicas, podem ou não funcionar como dispositivos pedagógicos, despertando, traduzindo ou transgredindo os conhecimentos, significados e experiências de cuidado entre adolescentes e jovens. Ao tomar a PrEP como dispositivo pedagógico de prevenção, objetiva-se compreender como o funcionamento da estratégia pode produzir significados e influir sobre as experiências de cuidado entre as juventudes. Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, que analisou entrevistas em profundidade, realizadas por meio de um questionário semiestruturado, no âmbito do estudo PrEP1519, na cidade de São Paulo, Brasil. Ao todo, foram analisadas 25 entrevistas, com adolescentes e jovens com idade entre 17 e 20 anos completos. Entre os principais resultados, constatou-se: 1. Os adolescentes e jovens partem de diferentes contextos sociais e percepções sobre ser/estar jovem, o que influencia as dinâmicas de cuidado para HIV/Aids e experiências de acesso à PrEP. 2. No estudo PrEP1519, a figura do educador de pares utilizou de linguagem e recursos adequados à realidade das juventudes, o que contribuiu para a disponibilidade da PrEP. 3. A preocupação das juventudes com seus pares, tornando-os multiplicadores de conhecimento contribui para o acesso ao conhecimento da PrEP. 4. Constatou-se a percepção da importância da estratégia para o autocuidado, e, também de indiferença em relação ao uso. 5. As percepções em relação às perspectivas de futuro sobre diferentes esferas da vida, incluindo o cuidado, é influenciada pelo contexto e demonstra resistências às violências estruturais e vulnerabilidades programáticas. O acesso à PrEP opera como dispositivo pedagógico, na medida em que envolve discursos, normas, espaços e instituições que operam sobre a gestão pessoal de prevenção ao HIV. Tal percepção, conecta-se com as perspectivas de futuro, as quais refletem as dinâmicas vividas pelas juventudes no passado e presente. Com base nos achados, argumenta-se que: a PrEP provoca o aumento da percepção de segurança em relação ao HIV e outras IST, e gera o estabelecimento de vínculo com os serviços públicos de saúde, potencializando o cuidado das juventudes. Nas dinâmicas sociais das pessoas entrevistadas, a preocupação em multiplicar o conhecimento entre amigos revela uma peculiaridade e novas potencialidades do acesso à estratégia entre jovens. A discriminação e o estigma em relação às expressões de gênero, sexualidade e HIV/Aids, podem incrementar a vulnerabilidade ao HIV, especialmente em espaços que deveriam oferecer segurança às juventudes, como o espaço familiar. A escola, por sua vez, merece maior atenção como espaço de segurança para promover estratégias de prevenção e cuidado e reduzir os danos de um ambiente familiar hostil. A indiferença ao uso da estratégia pode ser indicativa do contexto mercadológico neoliberal, de soerguimento da perspectiva individualista na prevenção ao HIV/Aids. A amizade e a indiferença, portanto, surgem como categorias de resistência, no sentido atribuído por Michel Foucault. Conclui-se, com base nas percepções das juventudes entrevistadas, que o acesso à PrEP pode ampliar os horizontes de cuidado em saúde, observadas as perspectivas de respeito aos direitos humanos, as vulnerabilidades, e o direito à saúde de adolescentes e jovens.

Prevention pedagogy is an approach that values individual autonomy and experiential knowledge, while also considering cultural and political dimensions in the management of HIV/AIDS care. This thesis investigates how access to HIV pre-exposure prophylaxis (PrEP) functions as a pedagogical device for facilitating healthcare access among adolescents and young adults. Specifically, it examines the extent to which PrEP access may foster autonomy and support the realization of human rights – particularly the right to health – in various sociocultural contexts. The HIV/AIDS epidemic is approached in this study as a social phenomenon that shapes the imaginaries of youth. This lens invites reflection on how biomedical technologies such as PrEP may serve as pedagogical tools – capable of awakening, translating, or even challenging existing knowledge, meanings, and practices of care among adolescents and young people. By conceptualizing PrEP as a prevention pedagogy, this research aims to understand how it generates meaning and influences care-related experiences. 1. Adolescents and young people come from diverse social backgrounds and hold varied perceptions of youth, which shape their experiences with HIV/AIDS care and PrEP access. 2. Within the PrEP1519 project, peer educators effectively employed language and resources aligned with young people's realities, thereby enhancing PrEP availability. 3. Young participants expressed concern for their peers and often acted as knowledge multipliers, thereby facilitating broader awareness of PrEP. 4. Participants displayed both recognition of PrEP’s importance for self-care and, in some cases, indifference toward its use. 5. Perceptions about the future – particularly regarding care and health – are shaped by structural context and reflect forms of resistance to systemic violence and vulnerability. PrEP operates as a pedagogical device by engaging with discourses, norms, institutional spaces, and practices that shape personal HIV prevention strategies. These findings suggest that access to PrEP contributes to a heightened sense of safety regarding HIV and other STIs, while also fostering engagement with public health services and strengthening care among young people. The willingness of participants to share knowledge within their social networks highlights new and unique pathways for expanding access to PrEP. However, discrimination and stigma related to gender identity, sexual orientation, and HIV/AIDS continue to exacerbate vulnerabilities, especially in environments that should be protective, such as family settings. Schools emerge as critical spaces for promoting prevention and care, particularly when familial support is lacking. Indifference to PrEP may reflect broader neoliberal and individualistic trends in HIV prevention discourse. Within this context, friendship and indifference are interpreted – drawing on Michel Foucault – as forms of resistance. In conclusion, the study finds that access to PrEP can expand the landscape of healthcare for adolescents and young adults by promoting respect for human rights, recognizing structural vulnerabilities, and reinforcing the right to health.