A sustentabilidade transformadora nas práticas de inovações sociais : etnografia em feiras de alimentos do Reino Unido e do Brasil

Abstract

Esta tese explora o entrelaçamento entre a sustentabilidade transformadora e as práticas de inovações sociais. Reconhecendo a urgência dos desafios socioambientais que enfrentamos tanto local quanto globalmente, o estudo sugere que inovações sociais, especialmente as com uma orientação transformadora, têm um potencial significativo para gerar mudanças positivas. No entanto, conceber tais soluções é desafiador devido às lógicas de individualismo e competição que prevalecem nas sociedades contemporâneas. Para efetivamente desenvolver essas inovações, é essencial que os envolvidos possuam ou adquiram conhecimentos alinhados ao conceito de sustentabilidade transformadora. A abordagem das práticas sociais, com destaque para a teoria de Theodore Schatzki, é fundamental na compreensão dos diversos aspectos desse processo, como conhecimentos, entendimentos, atividades e materialidade. Utilizando essa teoria como principal lente analítica, a pesquisa investigou como a sustentabilidade transformadora é incorporada e construída nas práticas cotidianas e no desenvolvimento de inovações sociais. O estudo utilizou uma metodologia etnográfica multisituada, analisando o Lewes Food Market (LFM), no Reino Unido, e a Feira dos Agricultores Ecologistas (FAE), no Brasil. A coleta de dados incluiu observação participante aprofundada, entrevistas semi-estruturadas com diversos atores (produtores, consumidores, gestores) e análise de documentos. Para analisar os dados, utilizou-se uma abordagem textual interpretativa, estruturando-se os dados em categorias de acordo com a literatura considerada. O principal achado desta tese mostra que a sustentabilidade transformadora, expressa por meio de diferentes elementos, permeia múltiplos aspectos da organização das práticas e de seus arranjos materiais em inovações sociais. A sustentabilidade, assim, se manifesta nas interações cotidianas, nas decisões compartilhadas e nas adaptações contínuas que envolvem diferentes atores. É um processo dinâmico, no qual estruturas teleoafetivas, entendimentos e regras são constantemente acionados e (re)negociados com vistas a orientar a ação. Outros resultados revelam que os contextos problemáticos que antecederam as inovações, como a dependência de importação no Reino Unido e o uso de agrotóxicos no Brasil, compartilhavam a necessidade fundamental de desafiar o sistema agroalimentar convencional. O surgimento do LFM e da FAE resultou de ações coletivas que deram origem a práticas centrais incorporando elementos de sustentabilidade transformadora, como desafiar o mainstream e promover a participação. Na persistência das práticas, a sustentabilidade transformadora é vivenciada através da organização e experiências diárias. A FAE, notavelmente, demonstra forte governança coletiva e um grande senso de pertencimento entre os participantes, fomentando uma rede robusta de integração e resistência que sustenta seu potencial transformador. As inovações geraram mudanças individuais significativas (empoderamento, aumento de renda, bem-estar) e transformações coletivas (em âmbitos social, ambiental e econômico). A FAE, em particular, teve um impacto mais amplo, contribuindo para a co-construção e expansão da agroecologia em sua região e servindo como modelo para outras iniciativas. A tese contribui teoricamente ao integrar as abordagens de sustentabilidade, inovação social e teoria das práticas, oferecendo um novo framework analítico. Metodologicamente, destaca o valor da etnografia multisituada para estudar fenômenos sociais em diferentes contextos. Reconhecendo limitações inerentes a estudos de caso qualitativos, a pesquisa sugere trabalhos futuros que explorem outros tipos de inovação social e aprofundem as dinâmicas de aprendizagem coletiva nessas iniciativas.

This thesis explores the intertwining of transformative sustainability and social innovation practices. Recognizing the urgency of socio-environmental challenges faced both locally and globally, the study suggests that social innovations, especially those with a transformative orientation, have significant potential to generate positive changes. However, designing such solutions is challenging due to the individualism and competition prevailing in contemporary societies. To effectively develop these innovations, it is essential for participants to have or acquire knowledge aligned with the concept of transformative sustainability. The approach of social practices, with emphasis on Theodore Schatzki's theory, is fundamental in understanding various aspects of this process, such as knowledge, understandings, activities, and materiality. Using this theory as the main analytical lens, the research investigated how transformative sustainability is incorporated and constructed in everyday practices and the development of social innovations. The study employed a multi-sited ethnographic methodology, analyzing the Lewes Food Market (LFM) in the UK and the Feira dos Agricultores Ecologistas (FAE) in Brazil. Data collection included in-depth participant observation, semi-structured interviews with various actors (producers, consumers, managers), and document analysis. To analyze the data, an interpretative textual approach was used, structuring the data into categories according to the considered literature. The main finding of this thesis shows that transformative sustainability, expressed through various elements, permeates multiple aspects of the organization of practices and their material arrangements in social innovations. Sustainability thus manifests in everyday interactions, shared decisions, and continuous adaptations involving different actors. It is a dynamic process in which teleo-affective Other results reveal that the problematic contexts preceding innovations, such as import dependence in the UK and pesticide use in Brazil, shared the fundamental need to challenge the conventional agro-food system. The emergence of LFM and FAE resulted from collective actions that gave rise to central practices incorporating elements of transformative sustainability, such as challenging the mainstream and promoting participation. In the persistence of practices, transformative sustainability is experienced through daily organization and experiences. Notably, the FAE case demonstrates strong collective governance and a strong sense of belonging among participants, fostering a robust network of integration and resistance that sustains its transformative potential. Innovations have led to significant individual changes (empowerment, increased income, wellbeing) and collective transformations (social, environmental, and economic). The FAE, in particular, had a broader impact, contributing to the co-construction and expansion of agroecology in its region and serving as a model for other initiatives. The thesis theoretically contributes by integrating sustainability, social innovation, and practice theory approaches, offering a new analytical framework. Methodologically, it highlights the value of multi-sited ethnography for studying social phenomena in different contexts. Acknowledging limitations inherent to qualitative case studies, the research suggests future work to explore other types of social innovation and deepen the dynamics of collective learning in these initiatives.