As feridas da vitória : trauma e memória da Grande Guerra Patriótica (1941-1945) na Rússia pós-soviética

Abstract

Estudos recentes têm destacado o resgate da memória da Grande Guerra Patriótica como um dos pilares para revitalizar o nacionalismo e a identidade nacional da Rússia pós-soviética. Esta tese identifica uma lacuna nesta literatura: a ausência da exploração da complexa relação entre as formas de representação desse passado traumático e suas dimensões emocionais. Ademais, essas pesquisas desconsideram um processo dialógico mais amplo, no qual as ações ocidentais que negam ou excluem os espólios do passado e a vitória soviética sobre o nazi-fascismo são interpretadas como parte de um movimento que justifica as respostas políticas russas. Tais reações conferem legitimidade à recuperação das memórias da guerra como uma forma de diferenciação e oposição às políticas mnemônicas ocidentais. A partir deste entendimento, este trabalho pergunta como a mediação política do passado da Grande Guerra Patriótica, combinada com a evocação de emoções derivadas da representação desse trauma, contribui para a (re)construção da comunidade e identidade na Rússia pós-soviética. Argumenta-se que as práticas de representação e comunicação desse trauma histórico possuem uma inescapável dimensão emocional e desempenham um papel político fundamental na autoconstituição de subjetividades, noções de pertencimento e identidade nacional na Rússia atual. Nessa lógica, esta pesquisa adota uma abordagem pluralista e interdisciplinar, inserindo-se na chamada "virada estética" e "virada emocional" nos estudos das ciências humanas. A tese analisa as mediações das representações linguísticas e não linguísticas do passado da guerra a partir de uma metodologia interpretativista, baseada na análise de discurso e em uma abordagem autoetnográfica. Ao estabelecer uma conexão entre as representações da memória do trauma, as emoções e a ação política, esta tese visa aprofundar o debate sobre a relação entre o resgate da vitória soviética e o cenário político atual da Rússia. Ao propor novas perspectivas teóricas e empíricas, a pesquisa demonstra que a ressonância emocional do passado desempenha um papel fundamental na construção de vínculos afetivos e comunitários, que se ancoram e interagem com as representações das memórias traumáticas da guerra. Estas noções de pertencimento igualmente justificam e legitimam as ações russas na Ucrânia e o antagonismo em relação ao Ocidente.

Recent studies have highlighted the revival of Great Patriotic War memory as a cornerstone in reinvigorating nationalism and national identity in post-Soviet Russia. This thesis identifies a gap in the existing literature: the lack of exploration into the complex relationship between the forms of representation of this traumatic past and its emotional dimensions. Furthermore, these studies overlook a broader dialogical process in which Western actions that deny or exclude the spoils of the past and the Soviet victory over Nazi fascism are interpreted as part of a movement justifying Russian political responses. Such reactions lend legitimacy to the recovery of war memories as a form of differentiation from and opposition to Western mnemonic policies. Building on this understanding, this work interrogates how the political mediation of the Great Patriotic War's past, combined with the evocation of emotions derived from the representation of this historical trauma, contributes to the (re)construction of community and identity in post-Soviet Russia. It is argued that the practices of representing and communicating trauma possess an inescapable emotional dimension and play a fundamental political role in the self-constitution of subjectivities, notions of belonging, and national identity in contemporary Russia. Following this logic, this research adopts a pluralistic and interdisciplinary approach, situating itself within the so-called "aesthetic turn" and "emotional turn" in humanities studies. The thesis analyzes the mediations of linguistic and non-linguistic representations of the war's past through an interpretive methodology, based on discourse analysis and an autoethnographic approach. By establishing a connection between representations of trauma memory, emotions, and political action, this thesis aims to deepen the debate on the relationship between the revival of the Soviet victory and Russia's current political landscape. In proposing new theoretical and empirical perspectives, the research demonstrates that the emotional resonance of the past plays a crucial role in constructing affective and community bonds, which are anchored in and interact with representations of traumatic war memories. These notions of belonging equally justify and legitimize Russian actions in Ukraine and antagonism towards the West.