A casa, o tempo e suas transformações : reflexões a partir de um culto doméstico afro-gaúcho

Abstract

Este trabalho visa discutir as implicações da presença das religiosidades de matriz africana no cotidiano de uma casa na zona sul de Porto Alegre. O trabalho de campo se deu a partir das aparições semanais de uma entidade chamada exu Caveira, através do corpo de um adepto em sua própria casa, além de se valer de visitas esporádicas em terreiros da mesma região. A presença de uma alteridade radical fora dos ambientes sagrados gerou uma série de transformações nas dinâmicas de moradia, nos enredos familiares e na própria história dos habitantes daquele espaço. Este trabalho se debruça, portanto, sobre noções de casa, parentesco, morte e ancestralidade, mas sobretudo, persegue o tempo como uma variável importante na construção do cotidiano. Trata-se de uma recusa metodológica à separação da vida em domínios independentes e visa perceber as relações sociais em seus cruzamentos. A pesquisa focaliza a casa enquanto pessoa moral, dotada de agência e significações próprias a partir de sua construção, sua história e sua materialidade, tomando como base os estudos sobre casa de Carsten e Hugh-Jones, inspirados em Lévi-Strauss. Através de uma atenção aos objetos mobilizados, buscou-se entender como os afro-religiosos lidam com os conjuntos materiais que evocam e presentificam as entidades. Seguindo essa linha, questionou-se de que maneira os sujeitos agenciam uma série de atividades multidimensionais que se distribuem no tempo e no espaço, incluindo alguns usos particulares da cidade. Por fim, trazendo as narrativas de um exu em primeira pessoa, a pesquisa investigou as possíveis relações de um culto doméstico com enredos míticos mais abrangentes, refletindo sobre temporalidades variadas.

This work aims to discuss the implications of the presence of Afro-Brazilian religious practices in the daily life of a house in the southern zone of Porto Alegre. Fieldwork was conducted through weekly appearances of an entity known as Exu Caveira, who manifested through the body of a devotee within his own home, as well as occasional visits to nearby terreiros. The presence of this radical otherness outside traditional sacred spaces prompted a series of transformations in household dynamics, family narratives, and the very history of the inhabitants of that space. This work, therefore, engages with notions of home, kinship, death, and ancestry, while primarily examining time as a significant variable in the construction of everyday life. It is a methodological refusal to separate life into independent domains and aims to perceive the social relations at their intersections. The research focuses on the home as a moral person, endowed with agency and meanings shaped its construction, history, and materiality, grounded in the studies on house by Carsten and Hugh-Jones, inspired by Lévi-Strauss. Through attention to the mobilized objects, this study seeks to understand how Afro-religious practitioners deal with the material sets that evoke and make the entities present. Following this line, it explores how subjects orchestrate a range of multidimensional activities distributed across time and space, including particular uses of the urban environment. Finally, by incorporating first-person narratives from an Exu, the research investigates the possible connections between domestic worship and broader mythical narratives, reflecting on diverse temporalities.