No corre : o encontro entre a gestão autônoma da medicação e a redução de danos nas práticas de um CAPS AD

Abstract

Esta tese problematiza o encontro entre a Gestão Autônoma da Medicação (GAM) e a Redução de Danos (RD) nas práticas de um Centro de Atenção Psicossocial álcool e outras drogas, no período entre 2019 até 2023, sob perspectiva de um trabalhador-pesquisador, com a pretensão de contribuir com o processo de Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB) em suas necessidades no contemporâneo. A investigação percorre três estratos epistemo-metodológicos - decolonial, cartográfico e pharmakoanalítico –, os quais emergem em rede, na composição de narrativas de um cotidiano de trabalho-pesquisa, com suporte em materiais de diferentes proveniências – artigos, teses, dissertações, leis, vídeos, conteúdos de redes sociais, músicas –, tomados de forma não hierarquizada e articulados a conceitos como o de perspectivismo multinaturalista ameríndio, de Viveiros de Castro, Máquina de Guerra Nômade (MdGN), de Deleuze e Guattari; Pharmakon, de Escohotado; aquilombamento, de Emiliano David; branquitude crítica, de Lia Schucman; rede aracniana, de Deligny; confluência, de Antônio Bispo dos Santos. O encontro GAM-RD é abordado numa atenção aos diferentes movimentos de desterritorialização das práticas de Saúde, sendo o primeiro aquele que possibilitou o surgimento da RD como MdGN, ao final da década de oitenta, através da atuação dos Agentes Redutores de Danos (ards) como trabalhadores de saúde experts por experiência, os quais revolucionaram o cotidiano de cuidado de pessoas que usam álcool e outras drogas e o próprio Sistema Único de Saúde. A tese acompanha, então, uma RD que se desdobra em nível macropolítico, assumindo, como características necessárias ao cotidiano da RPB no contemporâneo, a intersetorialidade e a interseccionalidade. Em nível micropolítico, a tese acompanha uma RD que se depara com suas bordas e se abre a um encontro com a GAM, incorporada como um de seus componentes, com a força de acionar potencial de MdGN nos envolvidos nas cenas de cuidado – trabalhadores, usuários, familiares, acadêmicos, movimento social. Encontramo-nos com uma GAM-RD em abrasileiramento, que indica a necessidade de que os CAPS, como equipamentos estratégicos da Rede de Atenção Psicossocial, afirmem as iniciativas de geração de trabalho e renda através de Empreendimentos de Economia Solidária como “carros chefes” de suas práticas, incidindo num determinante específico do agravamento das situações de sofrimento psíquico – a inexistência de renda e a negação do direito ao trabalho. Um tal dispositivo de geração de renda tem como condição de funcionamento a autonomia dos envolvidos e a cogestão dos processos, forçando uma dinâmica clínico-institucional que necessita da ocupação da cidade para operar. Por fim, a experiência GAM-RD como dispositivo que incide sobre o CAPS como um todo levou à problematização da noção de equipe mínima do CAPS, propondo a ideia de equipe máxima, materializada na biointeração entre diferentes protagonistas da cenas de cuidado, com seus saberes em confluência. Possibilitou, também, uma outra leitura clínico-institucional das dinâmicas do serviço que impossibilitavam a permanência de determinadas populações no cotidiano do CAPS, indicando que as práticas GAM-RD têm o potencial de acionar nos envolvidos uma sensibilidade às diferenças e um movimento de produção de práticas que tornam o CAPS um lugar de potência produtora de vida.

This thesis problematizes the encounter between the Autonomous Medication Management (AMM) and Harm Reduction (HR) in the practices of a Psychosocial Care Center (PCC) for alcohol and other drugs, in the period between 2019 and 2023, from the perspective of a worker researcher, with the intention of contributing to the process of Brazilian Psychiatric Reform (BPR) in its contemporary needs. The investigation covers three epistemic-methodological strata - decolonial, cartographic and pharmako analytical -, which emerge in network, in the composition of narratives of a daily work-research, supported by materials from different sources - articles, theses, dissertations, laws, videos, social media content, music – taken in a non-hierarchical way and articulated to concepts such as Amerindian multinaturalist perspec tivism, by Viveiros de Castro, Nomadic War Machine (NWM), by Deleuze and Guattari; Phar makon, by Escohotado; “aquilombamento”, by Emiliano David; critical whiteness, by Lia Schucman; arachnian network, by Deligny; confluence, by Antônio Bispo dos Santos. The AMM-HR encounter is approached in an attention to the different movements of deterritorial ization of Health practices, being the first, the one which made it possible the emergence of HR as AMM, at the end of the eighties, through the action of the Harm Reduction Agents as expert health workers by experience, who revolutionized the daily care of people who use al cohol and other drugs and the Unified Health System itself. The thesis follows then, a HR which unfolds at a macropolitical level, assuming as necessary characteristics for the daily life of BPR in the contemporary world, the intersectoriality and the intersectionality. At a micropolitical level, the thesis accompanies a HR that is faced with its edges and opens up to an encounter with the AMM, incorporated as one of its components, with the power to trigger the NWM potential of those involved in care scenes – workers, users , family, academics, social move ment. We found ourselves with a AMM-HR in such a Brazilian way, which indicates the need for the PCC, as strategic equipment of the Psychosocial Care Network, affirm the initiatives of generation of work and income through Enterprises of Solidarity Economy as "flagships" of their practices, focusing on a specific determinant of the aggravation of situations of psychic suffering – the lack of income and the denial of the right to work. Such an income-generating device has the autonomy of those involved and the co-management of the processes as its op erating condition, forcing a clinical-institutional dynamic that requires the occupation of the city to operate. Finally, the AMM-HR experience as a device which affects PCC as it whole led to the problematization of the notion of a minimum PCC team, proposing the idea of a maxi mum team, materialized in the biointeraction between different protagonists of the care scenes, with their knowledge in confluence. It also enabled another clinical-institutional conception of the dynamics of the service which made it impossible for certain populations to remain in the PCC routine, indicating that the AMM-RD practices have the potential to trigger in those in volved, a sensitivity to differences and a movement of production of practices that make the PCC a place of life-producing power.