“Às vezes a gente olha, mas não enxerga!” : narrativas de pobreza e vida digna de mulheres negras assentadas como contribuições para pensar o desenvolvimento rural
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Data
2023Orientador
Nível acadêmico
Doutorado
Tipo
Assunto
Resumo
Esta tese toma como marco as narrativas de mulheres negras que vivem em territórios associados a uma pobreza invariavelmente decodificada como destituição. Por meio de entrevistas em profundidade, mulheres que vivenciam a experiência da luta pela terra e pela reforma agrária junto ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no assentamento Filhos de Sepé, localizado em Viamão, no sul do Brasil, narram seus conceitos de miséria, pobreza, riqueza e vida digna a uma pesquisadora que tamb ...
Esta tese toma como marco as narrativas de mulheres negras que vivem em territórios associados a uma pobreza invariavelmente decodificada como destituição. Por meio de entrevistas em profundidade, mulheres que vivenciam a experiência da luta pela terra e pela reforma agrária junto ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no assentamento Filhos de Sepé, localizado em Viamão, no sul do Brasil, narram seus conceitos de miséria, pobreza, riqueza e vida digna a uma pesquisadora que também vive nesse território, neta e bisneta de mulheres sem terra. O percurso metodológico experimentado está inspirado na pesquisa situada e na produção do conhecimento a partir do “tremor”, perspectivas que contribuíram para a produção de conhecimento parcial, ético e vigoroso. Experimentando o diálogo entre as teorias nativas produzidas nas lutas e nas lidas pelas mulheres e as críticas pós-coloniais, decoloniais e anti-coloniais, o desafio perseguido foi o de juntar pistas sobre os modos como a questão da pobreza aparece no cotidiano das mulheres, atentando às relações que estabelecem com discursos hegemônicos (e contra-hegemônicos) sobre o tema, em especial nas políticas públicas denominadas de “enfrentamento à pobreza”. Pela narrativa das interlocutoras podemos afirmar que a noção dominante que relaciona pobreza à falta de desenvolvimento fica comprometida, e se apresenta a urgente necessidade de reflexão epistêmica sobre as diferenças entre os conceitos de pobreza e miséria. Em luta para viver como se deseja, o tempo para a produção econômica da subsistência da vida tem tanta importância quanto o tempo para o cuidado com os enfermos e enlutados, a participação nas reuniões, nas mobilizações e na organização das festas familiares e comunitárias. A autoidentificação como pobre aparece em contextos quando se busca diferenciar daqueles que são ricos, entendidos como aqueles que sempre tiveram privilégios e poder, sejam eles econômicos, sociais, políticos e raciais. Afirmar-se pobre emerge como motivo de orgulho, pois parece trazer implícitas as condições de uma classe que mesmo explorada e oprimida sempre batalhou, e se manteve de cabeça erguida, altiva ao seu modo de existir. Apontando a luta como uma filosofia de vida e um modo de estar no aqui e agora, as mulheres são hábeis em identificar que a partir de suas ações enquanto classe trabalhadora e mulheres negras, sua vida vai se mostrando em constante transformação pela própria ação, individual e coletiva, no mundo. Nesse percurso agonístico, o encontro com as narrativas das mulheres tiveram a força de deslocar na pesquisadora o saber-fazer de extensionista rural, eclodindo uma reflexão, experimentada por meio de uma meta-pesquisa, sobre as noções de participação e humanismo presentes no discurso do desenvolvimento e encontrados nos processos de mediação de políticas públicas consideradas de “enfrentamento a pobreza”. Nesse sentido, o encontro com o “tremor” produzido pelas narrativas contra-hegemônicas das mulheres apontam pistas sobre a potência presente nos encontros entre as diferenças, quando os diálogos são constituídos a partir da igualdade dos saberes. Revisitando suas memórias e ancoradas nas lutas cotidianas em um país marcado pelas continuidades coloniais de violência de classe, raça e gênero, as mulheres assentadas interlocutoras tramam suas teorias abraçadas ao imperativo ético de manutenção da vida que se deseja, atravessadas por dores e conectadas com a terra, vão fazendo comunidade e experimentando o bom gosto de viver. ...
Abstract
This thesis takes as its framework the narratives of black women who live in territories associated with poverty invariably decoded as destitution. Through in-depth interviews, women who experience the struggle for land and agrarian reform with the Landless Rural Workers Movement (MST) in the Filhos de Sepé settlement, located in Viamão, in southern Brazil, narrate their concepts of misery, poverty, wealth and a dignified life to a researcher who also lives in this territory, granddaughter and ...
This thesis takes as its framework the narratives of black women who live in territories associated with poverty invariably decoded as destitution. Through in-depth interviews, women who experience the struggle for land and agrarian reform with the Landless Rural Workers Movement (MST) in the Filhos de Sepé settlement, located in Viamão, in southern Brazil, narrate their concepts of misery, poverty, wealth and a dignified life to a researcher who also lives in this territory, granddaughter and great-granddaughter of landless women. The methodological path experimented is inspired by situated research and the production of knowledge from “tremor”, perspectives that contributed to the production of partial, ethical and vigorous knowledge. Experiencing the dialogue between native theories produced in the struggles and read by women and post-colonial, decolonial and anti-colonial criticisms, the challenge pursued was to gather clues about the ways in which the issue of poverty appears in women's daily lives, paying attention to the relationships they establish with hegemonic (and counter-hegemonic) discourses on the topic, especially in public policies called “combating poverty”. Through the narrative of the interlocutors, we can affirm that the dominant notion that relates poverty to the lack of development is compromised, and there is an urgent need for epistemic reflection on the differences between the concepts of poverty and misery. In the struggle to live as one wishes, time for the economic production of subsistence in life is as important as time for caring for the sick and bereaved, participating in meetings, mobilizations and organizing family and community celebrations. Self-identification as poor appears in contexts when one seeks to differentiate from those who are rich, understood as those who have always had privileges and power, whether economic, social, political or racial. Claiming to be poor emerges as a reason for pride, as it seems to imply the conditions of a class that, despite being exploited and oppressed, has always fought, and held its head high, proud of its way of existing. Pointing to the struggle as a philosophy of life and a way of being in the here and now, women are able to identify that based on their actions as working class and black women, their lives are constantly changing through their own individual actions. and collective, in the world. In this agonistic path, the encounter with the women's narratives had the force of displacing the know-how of a rural extensionist in the researcher, erupting a reflection, experienced through meta-research, on the notions of participation and humanism present in the discourse of the development and found in the mediation processes of public policies considered to “confront poverty”. In this sense, the encounter with the “tremor” produced by women's counter-hegemonic narratives points to clues about the power present in encounters between differences, when dialogues are constituted based on the equality of knowledge. Revisiting their memories and anchored in daily struggles in a country marked by colonial continuities of class, racial and gender violence, the settled women interlocutors plot their theories embraced by the ethical imperative of maintaining the life one desires, crossed by pain and connected with the land, they build community and experience the good taste of living. ...
Instituição
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Ciências Econômicas. Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural.
Coleções
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