O impacto dos traços de personalidade na adesão às medidas preventivas contra a COVID-19

Abstract

Introdução: A pandemia da COVID-19, desprovida de tratamentos farmacológicos em sua fase inicial, exigiu a adoção de medidas preventivas não farmacológicas como distanciamento social, higienização das mãos e uso de máscaras, para evitar a propagação da doença. Neste contexto, identificar características pessoais que predigam a intensidade de adesão individual às medidas era fundamental para a saúde pública. A literatura prévia à COVID-19 descreve que, dentre as características individuais que se relacionam com adesão terapêutica, os traços de personalidade seria um fator relevante. Segundo o modelo teórico de Eysenck, a personalidade é conceitualmente baseado no temperamento e na reatividade ao ambiente, e poderia ser dividida em três grandes traços, Psicoticismo, caracterizado por impulsividade, inconformismo e antipatia; Extroversão, marcada por expressividade e sociabilidade; e Neuroticismo, ligado à culpa, dependência e hipocondria. Objetivos: Avaliar o impacto dos traços de personalidade de Eysenck (Psicoticismo, Extroversão, Neuroticismo) na adesão às medidas preventivas. O estudo também explorou os efeitos mediadores dos sintomas depressivos, sintomas ansiosos, idade e sexo nesta relação. Métodos: Este estudo longitudinal foi realizado durante dois anos de acompanhamento. Os dados foram coletados em três fases diferentes da pandemia, com um total basal de 619 participantes em maio de 2021, 337 participantes em setembro de 2022 e 217 participantes na coleta final ocorrida em setembro de 2023. A personalidade foi avaliada por meio do Questionário de Personalidade Eysenck Revisado Abreviado (EPQR-A), enquanto a adesão às medidas preventivas foi medida por meio de uma série de perguntas. A análise estatística foi realizada por meio de Modelagem de Equações Estruturais (MEE) com a técnica de Mínimos Quadrados Parciais (PLS). Resultados: Verificou-se que o Psicoticismo teve impacto negativo significativo na adesão a todas as medidas preventivas avaliadas (β= –0,095–(–0,302), IC95% –0,002–(–0,601), p<0,05), exceto trabalho remoto, principalmente no população feminina, com efeitos variando nas diferentes fases do estudo. A Extroversão e o Neuroticismo mostraram resultados mistos, com algumas correlações com medidas preventivas específicas, como higiene das mãos (β= 0,312, IC95% 0,126–0,501, p=0,001) e trabalho remoto (β= –0,409, IC95% –0,837–(–0,059), p=0,038), respectivamente. As análises de mediação revelaram que a idade, os sintomas depressivos e ansiosos não mediaram significativamente a relação entre traços de personalidade e adesão. Conclusão: O estudo constatou que pessoas com alto índice de Psicoticismo tiveram impacto negativo na adesão às medidas preventivas contra a COVID-19, principalmente em mulheres. As descobertas sugerem caminhos potenciais para intervenções direcionadas para melhorar a adesão às medidas preventivas, enfatizando a necessidade de abordagens personalizadas na saúde pública e na prática clínica.

phase, required the adoption of non-pharmacological preventive measures such as social distancing, hand hygiene and the use of masks, to prevent the spread of the disease. In this context, identifying personal characteristics that predict the intensity of individual adherence to measures was fundamental for public health. Literature prior to COVID-19 describes that, among the individual characteristics that are related to therapeutic adherence, personality traits would be a relevant factor. According to Eysenck's theoretical model, personality is conceptually based on temperament and reactivity to the environment, and could be divided into three major traits: Psychoticism, characterized by impulsivity, nonconformity and antipathy; Extraversion, marked by expressivity and sociability; and Neuroticism, linked to guilt, dependence and hypochondria. Objetives: To evaluate the impact of Eysenck's personality traits (Neuroticism, Extraversion, Psychoticism) on adherence to preventive measures. The study also explored the mediating effects of depressive symptoms, anxious symptoms, age and gender on this relationship. Methods: This longitudinal study was conducted over two years follow-up. Data were collected at three different stages of the pandemic, with a baseline total of 619 participants in May 2021, 337 participants in September 2022 and 217 participants in the final collection in September 2023. Personality was assessed using the Eysenck Personality Questionnaire Revised Abbreviated (EPQR-A), while adherence to preventive measures was measured through a series of questions. Statistical analysis was performed using Structural Equation Modeling (SEM) with the Partial Least Squares (PLS) technique. Results: Psychoticism was found to have a significant negative impact on adherence to all preventive measures evaluated (β= –0.095–(–0.302), 95%CI –0.002–(–0.601), p<0.05), except working remotely, mainly in the female population, with effects varying in the different phases of the study. Extraversion and Neuroticism showed mixed results, with some correlations to specific preventive measures like hand hygiene (β= 0.312, 95%CI 0.126–0.501, p=0.001) and remote work (β= –0.409, 95%CI –0.837–(–0.059), p=0.038), respectively. Mediation analyses revealed that age, depressive and anxious symptoms did not significantly mediate the relationship between personality traits and adherence. Conclusion: The study found that people with a high psychoticism score had a negative impact on adherence to preventive measures against COVID-19, especially in women. The findings suggest potential avenues for targeted interventions to improve adherence to preventive measures, emphasizing the need for personalized approaches in public health and clinical practice.